Você conhece o Sistema Endocanabinoide? Sabe como ele funciona? Você sabia que neste momento você está produzindo moléculas canabinoides dentro do seu organismo? Se você gostaria de saber essas respostas e ainda mais informações sobre esse sistema, continue a leitura que vamos explicar.
A descoberta do sistema endocanabinoide
Hoje em dia, o Sistema Endocanabinoide está sendo postulado como um dos maiores sistemas do nosso organismo, pois é ele quem modula os principais sistemas do corpo, como o sistema nervoso central e periférico, sistema endócrino, sistema imunológico e sistema gastrointestinal. A principal função do Sistema Endocanabinoide é buscar o equilíbrio do organismo, que em termos científicos é chamado de estado de homeostase.
Apesar de ser uma planta antiga, utilizada pela humanidade há milênios para fins medicinais, o Sistema Endocanabinoide somente foi descoberto entre as décadas de 1940-90. Sua descoberta ocorreu através da identificação e isolamento das principais substâncias da planta Cannabis sativa: o Δ9-Tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e o Canabidiol (CBD). O começo dos estudos científicos sobre a Cannabis foi através de um grupo de cientistas liderado pelo pesquisador Raphael Mechoulam, considerado o “pai” da Cannabis Medicinal.
Até então, as pesquisas relacionadas à Cannabis e seus efeitos no organismo eram muito escassas. Entretanto, com a identificação desses compostos e com a descoberta da ligação do Δ9-THC em locais específicos no cérebro de ratos, no final da década de 80, que pouco mais tarde receberam o nome de receptores canabinoides, o número de pesquisas começou a crescer cada vez mais. Os receptores são estruturas localizadas na membrana celular, em que substâncias podem se ligar a ele e levar à sua ativação, funcionando como um modelo de “chave-fechadura”. Assim, os fitocanabinoides (encontrados na planta Cannabis) ou os endocanabinoides (produzidos pelo nosso organismo), conseguem se ligar aos receptores canabinoides e desse modo desenvolver seus efeitos terapêuticos.
Do que é formado o Sistema Endocanabinoide?
Através do avanço científico, hoje sabemos que o Sistema Endocanabinoide é encontrado em todos os mamíferos e é formado por: receptores canabinoides, endocanabinoides (canabinoides endógenos, que produzimos em nosso organismo) e pelas suas enzimas de síntese (formação) e degradação (quebra).
- Receptores canabinoides: Até o momento, dois tipos de receptores canabinoides foram identificados, o receptor canabinoide do tipo 1 (CB1) e o receptor canabinoide do tipo 2 (CB2). Os receptores CB1 são mais encontrados no sistema nervoso central, porém também podem ser encontrados em órgãos periféricos. Já os receptores CB2 são mais prevalentes no nosso sistema imune, mas também podem ser encontrados no sistema nervoso central e periférico, como podemos ver na figura abaixo:
Porém, alguns estudos já demonstraram que os canabinoides podem interagir com outros tipos de receptores, como os receptores vaniloides de potencial transitório (TRPV1), regulando a transmissão sináptica associada à modulação da nocicepção (sensação de dor) e inflamação, receptores PPARδ, PPARα e GPR55, promovendo ações anti-inflamatórias e neuroprotetoras.
- Endocanabinoides: Os endocanabinoides são moléculas produzidas pelo nosso organismo e que se assemelham aos fitocanabinoides extraídos da planta Cannabis, por esse motivo receberam o nome de endo(dentro)canabinoides. Pesquisas demonstraram que nosso organismo produz dois endocanabinoides, o N-araquidonoiletanolamina e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), que são moléculas derivadas do ácido araquidônico, um ácido graxo. O endocanabinoide N-araquidonoiletanolamina recebeu o nome popular de Anandamida em homenagem à palavra em sânscrito “Ananda”, que significa felicidade suprema, e “amida”, pois em sua estrutura química há a presença da molécula amida. A anandamida se liga aos receptores CB1 e CB2, obtendo mais afinidade pelo receptor CB1, de modo que seus principais efeitos no organismo são: impacto no desenvolvimento embrionário inicial, altera a formação de memória, estimula o apetite, reduz a sensibilidade à dor, protege contra danos cerebrais citotóxicos, abaixa a pressão sanguínea, combate a náusea e reduz a pressão ocular. O 2-AG tem afinidade para ambos os receptores, CB1 e CB2, no qual tem uma ação mais neuroprotetora e anti-inflamatória.
- Enzimas: A produção dos endocanabinoides no organismo ocorre sob demanda, ou seja, quando o organismo manda um sinal de que está precisando dessas moléculas, elas são produzidas. A anandamida é sintetizada pela enzima N-acil-fosfotidiletanolamina fosfolipase D (NAPE-PLD) e o 2-AG pela lipase de diacilglicerol (DAGL); e ambos endocanabinoides são degradados pelas enzimas amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH) e lipase de monoacilglicerol (MAGL).
Quais são os mecanismos de ação do sistema endocanabinoide?
Agora que já sabemos do que é constituído o Sistema Endocanabinoide, vamos entender como ele funciona. Diferentemente da neurotransmissão clássica dos neurotransmissores como adrenalina, serotonina, dopamina, GABA, entre outros, que ocorre dos neurônios pré-sinápticos para os neurônios pós-sinápticos, a neurotransmissão endocanabinoide acontece de maneira contrária, de modo que a sinalização ocorre dos neurônios pós-sinápticos para os pré-sinápticos, obtendo assim uma neurotransmissão retrógrada.
De modo geral, os endocanabinoides são produzidos sob demanda em neurônios pós-sinápticos e liberados na fenda sináptica após um potencial de ação (sinalização). Os endocanabinoides não ficam armazenados em vesículas sinápticas como os outros neurotransmissores. Após serem liberados dos neurônios pós-sinápticos, os endocanabinoides se ligam em receptores canabinoides localizados na membrana de neurônios pré-sinápticos, desencadeando a ativação de uma cascata de sinalização dentro das células. Os receptores CB1, quando ativados, inibem os canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana pré-sináptica dos neurônios excitatórios e inibitórios, o que resulta na diminuição (modulação) da liberação dos outros neurotransmissores, especialmente glutamato e GABA. Porém, pesquisas mostram que a ativação dos receptores CB1 de astrócitos (outro tipo de célula neural) promove a liberação de glutamato, o que favorece a gliotransmissão. Dessa maneira, podemos perceber que a ativação dos receptores canabinoides pode atuar de diferentes maneiras a depender do tipo de célula e é por esse motivo que a terapia com a Cannabis Medicinal pode beneficiar diferentes tipos de doenças.
Novas descobertas sobre o sistema endocanabinoide
Por ter sido descoberto há pouco tempo, a ciência ainda está tentando entender com mais detalhes como funciona o Sistema Endocanabinoide. Segundo a Harvard Health Publishing, o sistema é um sistema complexo, presente em todo nosso organismo e que possui diferentes funções. Já se sabe que ele é fundamental para trazer o equilíbrio do nosso organismo, modulando muitas funções corporais como: aprendizado e memória, apetite e digestão, controle da dor, sono, controle da temperatura, respostas inflamatórias e imunes, processamento emocional, extinção de memórias traumáticas, entre outras.
Outro artigo explica, por exemplo, que o Δ9-THC interage com os receptores CB1 e CB2, assim como a Anandamida e o 2-AG. Isso permite que haja muitos efeitos no organismo e na mente. O Δ9-THC pode ajudar a reduzir a dor e estimular o apetite, porém dependendo da quantidade ele pode causar ansiedade e paranoia. Em contrapartida, o Canabidiol (CBD), não interage diretamente com os receptores CB1 e CB2. Os estudos ainda continuam para entender por completo seu mecanismo de ação, mas pesquisas já demonstraram que ele age inibindo a enzima de degradação FAAH, permitindo assim que mais endocanabinoides estejam disponíveis na fenda sináptica para que haja uma maior ativação dos receptores canabinoides dos neurônios pré-sinápticos.
Tratamento com Cannabis Medicinal
Assim, através da regulação de nosso sistema endocanabinoide, podemos mencionar algumas patologias em que a Cannabis Medicinal pode ser muito benéfica como uma terapia adjuvante:
- Epilepsia e convulsões
- Doenças neurodegenerativas
- Dor crônica
- Câncer
- Ansiedade
- Depressão
- Transtorno do Espectro Autista (TEA)
- HIV/AIDS
- Artrite e artrose
- Esclerose Múltipla
- Paralisia cerebral
- Transtorno bipolar
- Síndrome de Tourette
- Malformação congênita
- Stress/ Burnout
- Psoríase
- Diabetes
- Esquizofrenia
- Transtorno obsessivo compulsivo (TOC)
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